Amo as duas, como se fossem uma só
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Amo as duas, como se fossem uma só

Por Fernando Jorge

Imagem: Jessica Felicio (Unsplash)

O sucesso do meu romance Eu amo os dois, lançado pela editora Novo Século, está me deixando meio atrapalhado. Meu querido amigo Ronaldo Côrtes, que várias vezes insistiu para eu o escrever, hoje se divertiria com a minha situação, aliás, cheguei a dizer a ele:


- Ronaldo, se esse meu romance for publicado, vai me causar problemas.


Psicólogo sutil, admirável conhecedor da alma humana, Ronaldo Côrtes respondeu:


- Explique-me o que você teme, quero ajudá-lo a se sentir tranquilo.


Então, lá na pequena sala do meu amigo, iluminada por ampla janela, soltei estas palavras:


- A história que contei a você, e tem me estimulado a narra-la num romance autobiográfico, é absolutamente verdadeira, como sabe. Muito moço, amei uma linda jovem que também me amou e, o que parece absurdo, amava de maneira sincera o seu primo de primeiro grau. Gostou, ao mesmo tempo, de mim e dele, porque a mãe, desde que ela estava com cinco anos de idade, não parou de lhe dizer: minha filha, namore sempre dois rapazes, pois se um escapar, você ficará garantida com o outro.


Ronaldo interrompeu-me:


- Já sei, Fernando, já conheço a sua história. Diga-me apenas o que o preocupa, se transformá-la num romance.


- O que me preocupa, Ronaldo, é que se eu contar essa história complicada, os meus leitores depois me consultem para dar soluções aos seus casos de natureza amorosa. Não sou psiquiatra, Ronaldo, não me considero um mestre na arte de solucionar problemas de amor. Se nem eu consegui solucionar de maneira satisfatória, o meu problema de amor, como vou solucionar o dos outros?


Ronaldo Côrtes riu e brincou:


- Ajudarei você, sou psicólogo com diploma concedido a mim pela Faculdade das Ciências dos Amores Simples e Complicados.


Caímos na gargalhada.


Mas agora passo a expor uma história singular de amor. De amor duplo ou triplo. Recebi uma carta de um leitor, na qual ele revela:


“Escritor Fernando Jorge, li o seu romance autobiográfico Eu amo os dois e a sua história tem pontos de semelhança com a minha. No romance, Elza ama dois rapazes, o senhor e primo dela. Eu, na minha vida real, amo duas mulheres, a minha esposa e a minha cunhada, como se fossem uma só.”


O autor da carta informa que as duas são gêmeas, mas gêmeas iguaizinhas, no rosto, no corpo, no temperamento, até na voz. Casou-se com uma e tem a impressão de que se uniu às duas. Dorme com uma, porém, se dormisse com outra, não estranharia. Quando beija uma, sente a impressão de estar também beijando a outra. E pergunta:


“Sou um anormal, escritor Fernando Jorge? Todavia, o seu romance Eu amo os dois me convenceu que existe o amor duplo. Responda-me, por favor.”


Bem, o que posso dizer? Na minha opinião o tal “amor duplo” só pode existir em certas circunstâncias. Se alguém é capaz de amar dois em vez de um, de modo simultâneo, isto não significa que todos são também capazes de assim proceder.


Confessa, o leitor do meu romance, amar de modo idêntico as duas gêmeas. A impressão que eu tenho é a seguinte: ele transformou as duas numa só.


Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.

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