Sua excelência, o gato
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Sua excelência, o gato

Por Fernando Jorge

Imagem: River Kao / Unsplash

Encontrei um velho amigo na rua. Achava-se com ar sorumbático, ele que sempre foi expansivo. Explicou-me:


– Estou aborrecido. Alberto morreu. Creio que do coração. Era gordo em excesso, coitado! Tão discreto, tão educado...


Alberto – devo esclarecer ao leitor – era um velho gato obeso e preguiçoso, que vivia ronronando em cima de um macio sofá: tinha o orgulho de um lorde, a pachorra de um filósofo socrático. Retribuía as carícias com frieza, embora não fosse malcriado. Havia nele, no seu olhar metálico, nos seus movimentos elásticos, compassados, qualquer coisa de solene e aristocrático. Eu, que sou democrata, nunca pude suportar seus modos altivos. Meu amigo, porém, o estimava.


O gato tem fama de ser um animal egoísta, hipócrita e feroz. Mas não são poucos os que o defendem e o preferem ao cão, o qual, segundo diversos psicólogos, é demasiado subserviente, sem a dignidade e a personalidade dos felinos...


A gatolatria é um fenômeno milenar.


Narra Seignobos, na sua “História da Civilização”, que um século antes de Cristo, tendo certo cidadão romano matado um gato em Alexandria, o povo amotinou-se, apoderou-se dele e o esquartejou, apesar dos pedidos do faraó e não obstante o grande medo que causavam os filhos da cidade de Augusto.

Os egípcios viam no gato um animal divino. Quando algum bichano morria, o dono, em sinal de luto, raspava a sobrancelha esquerda.


Maomé, diz a lenda, possuía uma gatinha chamada Muezza que, certa ocasião, adormeceu sobre a manga do seu hábito. O profeta, para não acordá-la, preferiu cortar a roupa. Muezza, grata e satisfeita, cada vez que ele voltava para casa, ia recebê-lo. Maomé, comovido pelo reconhecimento do animal, concedeu aos gatos um lugar no paraíso islâmico e ainda o privilégio de caírem de pé.


Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.

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