Por Fernando Jorge
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa, lançado pela Editora Objetiva, do jornalista Roberto Feith, custou quinze anos de trabalho, teve 34 redatores e a colaboração de cerca de 150 especialistas. A editora investiu mais de 5 milhões de reais nessa obra, que recebeu o apoio financeiro de várias empresas, como a PETROBRAS, a TELEMAR, a EMBRATEL, e até do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Para poder imprimir o dicionário, a Objetiva também obteve a ajuda econômica da Fundação Calouste Gulbenkian e do Banco Espírito Santo, de Portugal.
Centenas de verbetes, no calhamaço da Editora Objetiva, apresentam o estilo anguloso e cheio de ziguezagues do Antônio Houaiss, autor que era um mestre na arte de escrever corretamente mal.
Leiam as seguintes palavras do prefácio desse filólogo:
“Não se pode fugir à evidência de que cada utente da língua é senhor de determinado campo limitado do seu universo lexical, mas pode ampliar o seu senhorio na medida em que disponha de dicionários...”.
Antônio Houaiss, quando escrevia, não tinha bom gosto, senso estético. Vejam como é horrível esta expressão: “cada utente da língua”. O vocábulo utente é sinônimo de usuário e é pouco empregado no Brasil, como o próprio dicionário reconhece, na página 2.816. Então por que usar o feíssimo utente?
Mais uma prova do mau gosto do Antônio Houaiss: o uso da expressão "ampliar o seu senhorio”. Esta última palavra é sinônimo de domínio. Ora, não é melhor dizer "ampliar o seu domínio"? Repito, o Antônio Houaiss, autor de um indigesto e soporífero estudo sobre a "pluralidade linguística”, era um mestre na arte ele escrever corretamente mal.
Homem de 62 anos, advogado de barbicha, com cara de primeiro-ministro britânico, o cidadão Mauro de Salles Villar, coordenador do Houaiss e sobrinho do filólogo carioca, procurou imitar o estilo do tio na apresentação da obra. Ele gosta de usar estas palavras: infixos, grafemas, interpositivos, pospositivos. Também ama as seguintes expressões: sintagmas locucionais, informesonomasiológicos, registro diacrônico das acepções, descodificação semântica. Mauro quer escrever bem, mas de vez em quando se esquece de colocar os pronomes nos seus devidos lugares:
“Deixe-se, com isso, o processo da descodificação semântica para a competência linguística do consulente - exatamente aquele cuja dúvida levou a recorrer ao dicionário”.
Está faltando na frase o pronome o, antes da terceira pessoa do pretérito perfeito do indicativo do verbo levar:
“... aquele cuja dúvida o levou..."
Reprovo, no texto acima do doutor Mauro, a assonância consulente-exatamente, reveladora de falta de senso crítico e de um bom ouvido. É o estilo ENTE-ENTE. O sobrinho de Antônio Houaiss ignora que a conjunção, todavia deve ser acompanhada de vírgula, se houver necessidade de ênfase ou de pausa. Eis como ele a empregou:
“Todavia isto é ocorrência comum a todos os dicionários...” (página XV).
Ficaria correto se ele, após a conjunção, tivesse colocado a virgula:
"Todavia, isto é ocorrência...”.
Fernando Jorge é jornalista, escritor, historiador, biógrafo, crítico literário, dicionarista e enciclopedista brasileiro, Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. Sua obra mais recente é a biografia "As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont", lançado pela HaperCollins.
Commenti