Por Fernando Jorge
Um amigo me disse:
– Fernando, você tem uma rica coleção.
Respondi de modo rápido:
– Na minha biblioteca não tenho só uma coleção.
Ele explicou:
– Não estou me referindo à sua coleção de livros e sim à sua coleção de loucos.
O meu amigo falou a verdade. De fato tenho uma rica coleção de loucos. Eles gostam de mim, eu os atraio, talvez porque também sou louco. Afinidades eletivas, como diria Goethe (1749-1832), o insigne escritor alemão.
Há pouco tempo faleceu um desses meus amigos birutas, lelés da cuca. Confessou a mim:
– Meu querido amigo Fernando Jorge, sou apaixonado por cobras, desde criança. Essa paixão começou quando eu tinha cinco anos e o meu pai me levou ao Instituto Butantã. Vi aquelas cobras, das quais se extrai um soro. Foi amor logo à primeira vista, senti vontade de beijá-las, achei lindos os seus olhinhos. Quis levar dez cobras para minha casa e o meu pai disse que não podia. Então chorei.
Apresentou-me à sua esposa. Ela tinha olhos pequeninos, redondos, e um queixinho comprido, pontudo. Parecia mesmo uma cobra, pois também possuía um rosto fino.
Garantiu o meu amigo que a sua mulher não era uma cobra venenosa. E explicou, a cauda da cobra não venenosa é comprida e vai se afinando devagarinho, até se tornar bem fina. E o meu amigo continuou a explicar:
– A cauda da cobra venenosa é curta e se afina de repente. Na cabeça tem pequenas escamas. Exibe um orifício bonitinho entre o olho e a narina. Outra diferença, os olhos das venenosas são dotados de pupilas verticais e os das não venenosas, de pupilas redondas. Estas carregam placas grandes na cabeça.
Após dar estas informações, ele me levou até o quintal da sua casa e dando um pulo, subiu ligeiro no tronco de pequena árvore. Desceu logo e disse:
– Sabe quem me ensinou a fazer isto? A minha cunhada, a cobra Lilica, ela, como todas as cobras, sobe facilmente em qualquer tronco de árvore.
Esclareço, este meu amigo nunca foi internado num manicômio...
Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.
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