Me desculpe, mas tenho que cozinhar para o presidente
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Me desculpe, mas tenho que cozinhar para o presidente

Por Paulo Panayotis


Lyon - França. O restaurante Têtedoie repousa em cima de ruínas romanas. Modernoso, estiloso, levou dez anos para ficar pronto. Era um antigo hospital que teve que ser totalmente reconstruído. Entre licenças ambientais, convencer os investidores e lidar com a intrincada burocracia francesa, consumiu milhões de euros e a paciência de seus idealizadores. Mas ficou pronto. Virou trendy.

Restaurante Têtedoie, bombando em Lyon!

Agora a paciência mudou de lado: para saborear um de seus menus há fila de três semanas. Mas vale a pena. O mágico? Christian Têtedoie. Em meio a obras de artistas locais, uma releitura divertida de gatos que se mexem ao toque parece zombar dos clientes. Consegui um lugar numa segunda feira chuvosa: houve uma desistência, avisa o maître. Manteiga aromatizada com limão siciliano e puro azeite de oliva extra virgem iniciam os trabalhos. Uma provocação clara para um descendente de gregos como eu. Vou de menu discovery. Tartare de alcatra com ostras em emulsão de ervas frescas provocam o paladar. Picante no ponto, ainda tem a crocância de nozes picadas. Esplêndido!

Tartare e ostras sob emulsão de ervas frescas.

Sigo com ravioli de lagosta maison (caseiro) com caldo de pimenta vietnamita. Um branco do Mâcon, Le Monton Blanc, 100% chardonnay, acompanha. Relaxo. Olho para fora. Uma roda gigante pisca freneticamente a minha frente. Há, apenas em Lyon, 19 chefes estrelados e algo em torno de 4 mil restaurantes bacanudos! Responsável pela alta concentração de estrelas, Paul Bocuse reina soberano na região. O próprio Têtedoie foi um dos estagiários de Bocuse. Aliás, o mais jovem. “O chef Têtedoie se encontra para uma rápida entrevista? Infelizmente ele está em Paris, decreta o maître”.

Paris - França - Rua Blanche, 40, dez horas da manhã. Toco a campainha. O Sr. Têtedoie, por favor? A porta se abre. Subo até o primeiro andar. Estou na sede dos Maîtres Cuisiniers de France. Bonjour! Um homem de estatura baixa, olhos perscrutadores e atos energicos me dá bom dia. Sou Christian Têdedoie. Toma alguma coisa, pergunta ele? Champanhe, brinco eu. Ele se apressa em pedir uma garrafa. A entrevista é rápida e objetiva. Quero saber detalhes da construção e do cardápio do restaurante dele, aquele de Lyon, lembra? Temos a cozinha mais técnica do mundo, afirma Têtedoie. Pode não ser a melhor, mas é a mais técnica. E estamos tentando acabar com aquela imagem de que os chefs franceses são convencidos! Além disso, emenda ele, há cerca de 70 grandes concursos gastronômicos a cada ano na França somente de setembro a dezembro. Isso obriga os chefs franceses a se reinventarem. É um exercício de humildade constante, completa ele tomando um gole de champanhe. Aliás, pergunto eu pressentindo que a entrevista está terminando, o que você faz aqui na Associação dos Mestres Cozinheiros franceses? Sou o presidente! Vamos! determina Têtedoie. Onde? Você vai almoçar comigo. Em segundos desembarco de um táxi em um dos mais antigos bistrôs de Paris, o Josephine – Chez Dumonet. A decoração não é vintage: é original dos anos 1920 mesmo! Tento continuar a entrevista.

Duo de patê da campanha e fígado gordo

Entre ovos com manteiga de trufas negras frescas, patês de campanha e um boeuf bourguignon magistral, o chef Jean Christian Dumonet aterrissa em nossa mesa distribuindo beijos de boas-vindas. Não acredito. Eu, no meio de dois grandes chefs franceses, que acabei de conhecer, desfrutando de um momento mágico!

“Você pode ficar à vontade. Eu tenho que sair, diz Têtedoie. Mas antes vou deixar nossa bíblia com você, decreta ela, referindo-se ao Grande Dicionário dos Cozinheiros. Autografado, claro! Mas nem terminamos a entrevista, suplico eu!

A Bíblia dos cozinheiros franceses devidamente autografada

Desculpe, mas tenho que ir cozinhar para o presidente, se justifica ele. Mas qual presidente? Quero saber. O francês, claro! Ele sorri e rapidamente desaparece pela porta do bistrô! Atônito, peço mais uma garrafa de Château Saint Esprit 2010! Você faria outra coisa?O jornalista, especializado em curadoria pela Europa, viajou do Turismo de Le Havre.


Fotos: Paulo Panayotis & Adriana Reis.


Paulo Panayotis é jornalista profissional, ex-correspondente internacional de TV, escritor, mora pelo mundo e especialista em curadoria para a Grécia e a França.

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