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Manifestações, interdições de vias e o direito de ir e vir?

Por Coronel Camilo


Essa semana muitos me perguntaram por que a Polícia de São Paulo não protege o direito de ir e vir e dispersa todas as manifestações contra o resultado das urnas, que fecham ruas e estradas no estado. Pois bem, primeiramente se faz necessário informar que há vários dias não temos mais nenhuma rua ou estrada interditada no estado. Há sim, algumas manifestações e, por mais que queiram classificar de outra forma, trata-se de um direito constitucional e a polícia só vai intervir se houver a quebra da ordem ou interdição de vias.


O direito à reunião no espaço público, desde que seja pacífica, sem armas e não frustre outra no mesmo local e horário, é direito fundamental previsto na Constituição Federal e também deve ser respeitado. Desde que não prejudique o cidadão - esse prejuízo deve ser muito mais do que um incômodo, o que sempre acontece em manifestações -, será também garantido pelo poder público. Exatamente isso é o que vem acontecendo com as manifestações em andamento.


Vamos retornar à análise da atuação policial, como fizemos recentemente. Como democracia recente, o Brasil ainda tem muito que aprender para estabelecer um convívio social no qual sejam garantidos os direitos individuais e, ao mesmo tempo, respeitados os direitos de toda a coletividade, de forma harmônica. Partindo dessa linha, voltando à questão, numa manifestação, qual direito fundamental deve ser seguido de reunião/manifestação ou de ir e vir? Como deve agir o poder público?


É imprescindível que se estude o momento histórico vivido nas últimas décadas, onde aconteceram grandes mudanças na sociedade brasileira, principalmente no que diz respeito aos direitos fundamentais. Passamos de um regime militar forte, disciplinado, de ordem, no qual os deveres, às vezes, se sobrepunham aos direitos, para um regime democrático, no qual muitos, erroneamente, acham que podem tudo, que têm direitos sem deveres, que têm liberdade sem responsabilidade, onde os direitos estão se sobrepondo, em muito, aos deveres, sendo estes praticamente esquecidos em determinadas situações, onde o individual se sobrepõe ao coletivo.


Aí reside a grande dificuldade na tomada de decisão em situações de conflito de direitos fundamentais, nesse caso de reunião e de ir e vir, deixando claro que não há prevalência de ou outro, mas há sim um limite para se defender um ou outro direito, em casos muito específicos. Os direitos, mesmo os fundamentais, não são absolutos. Vale a máxima popular que serve como limite natural de todos os direitos: “o meu direito acaba onde começa o do outro”, ou seja, os limites encontram-se estabelecidos no próprio direito.


Quando há conflitos entre esses interesses, cabe ao Estado, após esgotadas as tentativas de negociação e norteado pelos princípios da liberdade, legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, impor limites, por meio de sua polícia, em um dos direitos, preferencialmente de maneira parcial e finita, visando única e exclusivamente garantir o outro direito fundamental, observando sempre o interesse público, social, coletivo, ou seja, o interesse comum.


Em outras palavras, caberá à polícia agir sempre com serenidade e usando o bom senso nas decisões, no caso concreto, para levar a bom termo a preservação da ordem pública e a garantia da segurança pública. Nesse caso, a polícia, para proteger as pessoas e o patrimônio, definirá, temporariamente, por defender o direito que cause menor trauma a todos. Por isso, muitas vezes se desobstrui vias para garantir o direito de ir e vir em detrimento do direito de manifestação.


Coronel Camilo é secretário-executivo da Polícia Militar. É formado em Administração de empresas pelo Mackenzie, com bacharelado em Direito pela Universidade Cruzeiro do Sul e pós-graduado em Gestão de Tecnologia da Informação pela FIAP e em Gestão de Segurança Pública pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

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