Por Heródoto Barbeiro
Há alguns anos dorme em uma gaveta da Câmara dos Deputados um projeto que acaba com o voto secreto no Congresso Nacional. Ardilosamente inventaram que algumas decisões teriam que ser tomadas secretamente para que o parlamentar não fosse pressionado pelo poder executivo, nem pelos poderosos. Seria uma forma de preservar a independência dos representantes do povo, para que legislassem para o bem-estar de todos e a felicidade geral da nação. A intenção foi boa, mas de bens intencionados.... A deterioração política transformou o voto secreto em uma safadeza. Graças a ele a Câmara mantém a legalidade de seus atos, uma vez que o plantel foi eleito democraticamente pelo povo. Mas perde a legitimidade. É mais uma ação que colabora para o descolamento do Congresso da sociedade. O último exemplo foi a aprovação do projeto de mudança do Código Florestal, que, segundo a Folha de São Paulo, 80 por cento da população é contra e, no entanto, teve 400 votos a favor. Tem legalidade, mas não tem legitimidade.
Os casos escabrosos, entre eles a cassação de parlamentares corruptos, são decididos no voto secreto. Ninguém sabe como o seu representante votou, e a maioria nem sabe quem o representa, uma vez que, além da amnésia política geral, o sistema proporcional permite que candidatos desconhecidos sejam “puxados” por campeões de votos. Como no caso do palhaço que teve mais de um milhão de votos. É um emaranhado confuso que, engenhosamente, afasta o cidadão comum do mundo das decisões políticas. Ele não participa delas, apenas assiste atônito o vídeo da deputada recebendo a propina e a reportagem na tevê onde votam secreta e eletronicamente e a absolvem. A deputada mesmo em seu discurso não se defendeu, apenas disse que o delito foi cometido antes de se tornar deputada. Eleição aqui funciona como na época da venda das indulgências.
A frente parlamentar contra o voto secreto está soterrada pelo corporativismo do Congresso. Hoje foi a vez da deputada, amanhã pode ser a vez de algum outro apanhado com a mão na cumbuca. O biombo salva mandatos e joga todos na mesma pocilga, ainda que muitos não mereçam. Lança suspeita sobre todos contribuindo para o perigoso desprestígio do parlamento, um órgão essencial para o funcionamento da democracia. Iguala os partidos, a falta de ética, a falta de moral e enaltece o desprezo pela opinião pública e pelos cidadãos que arcam com o vexame e as despesas. O projeto aprovado em primeiro turno e engavetado poderia ser o pontapé inicial da reforma política. O incentivo para tudo isso são as manifestações que estão sendo agendadas no Facebook para o Sete de Setembro, Dia da Pátria, em várias cidades do Brasil. São passeatas cidadãs e que podem ser o motor de uma mudança mais do que desejável, necessária.
Heródoto Barbeiro é jornalista do R7, Record News e da Nova Brasil FM. Também é professor, Mestre em História pela USP e advogado pela FMU. Já passou pela TV Cultura, pela CBN e pela Globo. Você pode ver mais em www.herodoto.com.br
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