Por Fernando Jorge
A história que vou contar aqui é absolutamente verdadeira, não inventei nada.
Eu era frequentador assíduo da Livraria Teixeira, situada na rua Marconi, número 40, da capital paulista, bem no centro da cidade. Certa manhã o seu gerente, Carlos Cardoso, apresentou-me a uma senhora de chinelos e pano azul amarrado na cabeça:
– Este aqui é o escritor e jornalista Fernando Jorge.
A mulher, arregalando os olhos, quis saber:
– In quem u sinhô vai vortar pra presidenti? Vai vorta no Sirvio?
Ela perguntou, com esta maneira de falar, se eu iria dar o meu voto ao apresentador Silvio Santos, cujo nome estava sendo divulgado como possível candidato à presidência da República. Respondi:
– Não sei ainda em quem vou votar, minha senhora.
– Intão vorte no Sirvio – aconselhou-me.
Silenciei, enquanto o meu amigo Carlos punha a mão na boca para não rir. Mostrei-me curioso:
– Por que a senhora acha que eu devo votar no Silvio Santos?
Replica imediata da mulher simples, com aparência de ter cerca de sessenta anos:
– Vore nu Sirviu purquê eli é gozadu i diverti a genti.
– Diverte?
– É, diverti, i também purquê sorta aviãozinho de dinheiro. Quando sorta pergunta, voceis querem dinheiro? Eu já peguei uma porção de aviãozinho de dinheiru.
O Carlos Cardoso mal segurava o riso e ela continuou:
– Ih... pareci qui u sinhô não gosta do Sirvio.
Expliquei tranquilamente:
– Não tenho nada contra ele, até o admiro, pois é simpático, generoso, um bom patrão.
Ouvindo isto, a mulher usou mais um argumento, a fim de me convencer a votar no Silvio Santos:
– Agora vô dizê uma coisa que vai convencê o sinhô a tê mais vontade de vortar nu Sirvio. Qué ouvi?
– Diga, minha senhora.
– O sinhô precisa vortar neli purquê eli é santu.
– Santo?
– Sim, eli não si chama Sirvio Santo?
– Perdão, o seu nome é Silvio Santos e não Silvio Santo.
– Não sinhô, é Sirvio Santo purqui eli é santo. Falam erradu u nomi deli. Vô dizê de novo, Sirvio Santo.
Vendo a minha cara sem entusiasmo, ela acrescentou:
– Agora vô convencê o sinhô a vortar nu Sirvio Santo. Olhi pra mim.
– Estou olhando.
– Sabi u qui eli fez?
– Não, o que foi?
– O Sirvio Santo ponho a mão no meu ombru e ieu chorei.
A minha resposta:
– O Silvio Santo pôs a mão no seu ombro? Muito bem, então vou votar nele.
Repleta de alegria, a devota do santo Silvio deu em mim um longo e sonoro beijo, que deixou o meu rosto bem molhado, como se ele estivesse debaixo de uma chuva forte...
Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.
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