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Foto do escritorRedação JBA

Que pena, ele não caiu!

Por Fernando Jorge

O ex-presidente Fernando Collor de Melo, em 1990 (Foto: Eugênio Novaes)

Afirmei, num comentário, que o presidente Itamar Franco mandou às favas o decoro, a compostura, quando deixou a atriz Norma Bengell lhe dar dois beijos eróticos na boca. E o presidente, ainda por cima, foi agarrado pelas bochechas. Itamar e Norma procederam desse modo diante de políticos, ministros e jornalistas. Como eu poderia respeitar um presidente que não sabe impor o respeito?


Mas vamos ser justos: antes do Itamar, outros chefes da nação se mostraram ridículos. Jânio Quadros, por exemplo. Fui amigo do Lincoln de Mato Grosso e tenho várias cartas dele no meu arquivo. Numa dessas missivas, enviada em 15 de agosto de 1977, ele escreveu estas palavras, a propósito da terceira edição do meu livro Vida e poesia de Olavo Bilac:

“Caríssimo Fernando Jorge, se vai ser o meu biógrafo, asseguro-lhe que meus ossos dormirão em paz...”

Todos os elogios que recebi de Jânio Quadros, em mais de cinquenta cartas, não me impedem de dizer o seguinte: ele foi muito ridículo quando andava no Palácio da Alvorada com uma roupa de safári, de caçador de leões das estepes africanas. Esta mania, para mim, era uma autêntica palhaçada. E Jânio também foi muito ridículo quando raspou o seu bigode e deixou crescer um pouco a sua barba, a fim de ficar com a cara de Abraham Lincoln, o décimo sexto presidente dos Estados Unidos.


Ser ridículo, na minha opinião, é o indício de profunda ou de transitória deficiência mental. O homem inteligente, se age de maneira ridícula, demonstra que seu intelecto sofreu uma pane. Sim, pois o senso crítico, a capacidade de avaliação, de discernimento, constitui, ao lado de algumas outras qualidades mentais, as características básicas da inteligência.


Ridículo foi o presidente João Batista Figueiredo, quando quis tirar o paletó, com o objetivo de lutar contra a multidão de estudantes que o vaiava, lá em Santa Catarina. Um presidente da República desejando ostentar a sua valentia, como um cabra-macho, em frente de centenas de jovens! Gesto ridículo e de loucura.


O presidente José Sarney se tornou ridículo, fez todo o mundo soltar gargalhadas, quando ele ocupou a tribuna da ONU, em Nova York, para garantir que seu país tinha o amor à paz, defendia os direitos humanos e a fraternidade entre os povos, Enquanto proclamava isto num discurso inexpressivo, bombástico, cheio de lugares-comuns, os jornais de todas as nações informavam que o Brasil era o campeão no extermínio de menores e um dos principais fabricantes de armas do planeta Terra, pois já havia recebido milhões de dólares dos países árabes com a venda de rifles, tanques, granadas e metralhadoras...


Sarney também foi ridículo quando pretendeu marcar um encontro, em Paris, com a primeira-ministra Margaret Tatcher e o presidente François Mitterrand, durante os festejos do bicentenário da Revolução Francesa. O momento era impróprio e os dois europeus não aceitaram o pedido do vaidosíssimo Sarney, um verdadeiro pavão bigodudo, que queria exibir-se como um grande estadista. Coitado, como foi ridículo!


E ridículo, imensamente ridículo, também foi o presidente Collor. Depois de não cumprir a sua palavra, apunhalando o povo pelas contas, isto é, permitindo o confisco do dinheiro das cadernetas de poupança, o traiçoeiro Collor se transformou num superatleta, repleto de uma energia inexaurível, de uma vitalidade assombrosa. Corria, pulava, nadava, andava de jet-ski, praticava o caratê. Não era o presidente da República e sim o agente 007 dos filmes de aventuras.


Collor fazia um carnaval, ao descer pela rampa do Palácio da Alvorada. Ele descia empertigado, altaneiro como um galo de briga, envolto por magotes de bajuladores. Dezenas de vezes eu torci para ele levar um tombo estrondoso, monumental, e arrebentar-se todo. Usei até a minha mediunidade. Esta funcionou, pois ele de fato sofreu um tombo soberbo, esplêndido, retumbante, embora não houvesse sido na rampa do palácio...


Repito, Collor não cumpriu a sua palavra. Observem, antes de ser eleito presidente da República, ele declarou pela televisão, em rede nacional, que o dinheiro das cadernetas de poupança era intocável, seria respeitado. No entanto, após tomar posse, ordenou de forma sumária o confisco desse dinheiro, violando a Lei, a Constituição Federal. Por causa de tal canalhice, da visibilíssima traição, milhões de brasileiros se arruinaram, milhares morreram do coração, centenas se suicidaram. Fidel Castro assim comentou esta safadeza:

“Se eu tivesse feito isto em Cuba, não ficaria um minuto no poder, seria logo derrubado”.

O alagoano Arnon de Mello (1911-1983), pai do carioca Fernando Collor, eleito senador em 1962, trocou tiros, no plenário da Câmara Alta, com o senador Silvestre Péricles de Goes Monteiro, e feriu mortalmente o cidadão Kairala José Kairala, suplente de senador pelo Acre. Tiroteio ocorrido na sessão do dia 4 de dezembro de 1963. Pois bem, Fernando Collor de Melo, empossado na presidência da República em 15 de março de 1990, inspirado no exemplo paterno, desfechou apenas um tiro, mas na bunda do povo brasileiro ao ordenar o criminoso confisco do dinheiro das cadernetas de poupança...


Fernando Jorge é jornalista, escritor, historiador, biógrafo, crítico literário, dicionarista e enciclopedista brasileiro, Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século.

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