Os gatos me fascinam, que bicho estranho!
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Os gatos me fascinam, que bicho estranho!

Por Fernando Jorge

Imagem: Wes Candela Photography LLC

Richelieu, o maquiavélico ministro de Luís XIII, tinha quatorze gatos, assim chamados: Mounard-le-Fougueux, Soumise, Serpolet, Gazette, Ludovic-le-Cuel, Mimie Paillon, Feliman, Lúcifer, Lodoiska, Rubis-sur-l’Ongle, Pyrame, Thisbé, Racan e Perruque. Estes dois últimos chamavam-se desse modo por haverem nascido em cima duma velha cabeleira do acadêmico Racan. Pela forma com que Richelieu acariciava os seus bichanos podia fazer-se ideia do estado de sua alma. Se passava suavemente a mão sobre o pelo do felino, era sinal de bom humor. Se as carícias fossem rápidas, nervosas, isso queria dizer o contrário. O rei, conhecendo o temperamento do seu ministro, indagava quando pretendia conversar com ele:


– De que jeito Richelieu afagou seus gatos?


E o cardeal que não teve complacência ao derrubar o protestantismo como partido político, em diminuir as regalias dos nobres, em reduzir o poderio da casa da Áustria, apiedou-se com o destino dos seus gatos: pouco antes de falecer legou-lhes uma vantajosa pensão.


De mim para mim confesso que amo os gatos. Eles me intrigam, causam curiosidade. Suas maneiras indolentes, seus passos sorrateiros, suas artimanhas, me fascinam. Bicho estranho! Quanto mistério, quanta sensibilidade nas suas pupilas verdes! É o animal sutil por excelência, repleto de cautela, de agudeza. Dir-se-ia que tem alma de odalisca e de espião. Não lhe falta sequer uma desconfiança matreira.


Arrogante, lascivo, melancólico, apático, soberbo, lembra um Hamlet metamorfoseado, desterrado, saudoso das névoas e fantasmagorias da sua longínqua Dinamarca.


Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.

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