Por Fernando Jorge
Quando eu tinha dezoito anos, comecei a namorar uma bonita moça forte, robusta. O seu aspecto formava contraste com a minha magreza e a minha feiura. Se ela me desse um bofetão, como eu ficaria? Desmaiado... Mas era moça gentil, educada, muito calma, incapaz de se irritar. Romântico, eu passava a mão nos seus longos cabelos ruivos, indagando:
– Gosta que eu acaricie os seus cabelos?
Fiz isto várias vezes e ela respondia, invariavelmente:
– Ah, não sei...
Sempre amoroso, dava-lhe beijinhos, sem deixar de perguntar:
– Gostou do meu beijinho?
Balançando de modo leve a cabeça grande, respondia:
– Ah, não sei...
“Que beijinho doce
que ela tem,
depois que beijei ela,
não beijei mais ninguém...”
Eu cantarolava com a minha voz desafinada e queira saber:
– Gostou de ouvir eu cantar?
Resposta da moça forte, robusta:
– Ah, não sei...
Cenas ridículas, mas aqui entre nós, amigo leitor, qual é o amor desse tipo que não é completamente ridículo ou algo ridículo?
Depois de um ano de namoro, perguntei a ela:
– Quer ficar minha noiva?
Resposta vagarosa:
– Ah... ah... ah... não... não... não sei...
Um dia, entusiasmado, segurando a sua mão grossa, que parecia um cacho de banana prata, fiz esta pergunta:
– Após você se casar comigo, quantos filhos quer ter? Dois, ou três, ou quatro, ou cinco?
Fitou-me com olhar abstrato, permaneceu em silêncio uns dois ou três minutos, enquanto eu esperava ansioso a resposta, e soltou devagarinho as palavras, como uma criatura que estava cheia de preguiça:
– Ah... ah... ah... ah... não... não... não... não... não... não... sei...
Farto de ouvir ela repetir ah não sei, resolvi no meu íntimo passar a chamá-la de Ahnaosei. E quando perguntavam qual era o nome da minha namorada, eu costumava dizer:
– O nome dela é Ahnaosei.
As pessoas, ouvindo-me pronunciar este nome, perguntavam:
– Ela é japonesa, não é?
Larguei a Ahnaosei porque ela não tinha força de vontade, era abúlica. A abulia é a ausência de desejo, de vontade. Os psiquiatras conhecem essa doença da alma. Eu só fiquei conhecendo-a ao namorar a coitada da Ahnaosei, mas confesso, sinto saudades da minha namorada abúlica... Amar é também perdoar.
Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.
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