Trama revela um duelo verbal entre o pintor e uma agente que trabalha para os nazistas.
O confronto entre o pintor Pablo Picasso e uma agente do Ministério da Propaganda Nazista é o argumento para o texto do autor norte-americano Jeffrey Hatcher, que chega aos palcos pelas mãos do diretor Eduardo Tolentino de Araujo, em mais uma montagem inédita do Grupo Tapa. Protagonizada por Clara Carvalho e Sergio Mastropasqua, Um Picasso estreia dia 19 de agosto, e dá o pontapé inicial na reabertura do Teatro Aliança Francesa. A temporada vai até 26 de setembro com sessões de quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 17h. Não haverá bilheteria física, os ingressos devem ser comprados somente pela internet na plataforma Sympla.
Durante a ocupação nazista de Paris em 1941, Pablo Picasso (1881-1973) é levado a um porão para ser interrogado por Fraulein Fischer, cuja missão secreta é obter a autenticação do pintor em, pelo menos, uma de três obras que foram confiscadas recentemente. O Ministério da Cultura nazista planeja uma suposta “exposição”, todavia o objetivo é queimar obras de “arte degenerada”. Os personagens se envolvem em uma negociação que se revela um verdadeiro embate sobre arte, política, verdade, morte e atração de poder.
Eduardo Tolentino teve seu primeiro contato com o texto de Hatcher ao dirigir uma montagem com a Companhia de Teatro de Braga no ano de 2016 em Portugal e iria dirigir uma versão no primeiro semestre de 2020 pelo Tapa, porém o projeto foi interrompido com a pandemia.
“Íamos estrear no ano passado, na época existia uma discussão metafórica sobre o sentido da arte, agora o significado é outro, é a barbárie. Recentemente, chegaram até a queimar um quadro de Picasso para vender na internet nos Estados Unidos. A peça ganha uma conotação maior nesses tempos sombrios que estamos vivendo.”
Les Demoiselles d’Avignon, A Banhista Sentada, Três Músicos, Dora Maar com Gato, e claro, Guernica são apenas alguns exemplos mais populares da obra do pintor espanhol, que subverteu todos os princípios das artes plásticas, se reinventado a cada nova fase. Um marco do século 20, que divide a arte, antes e depois dele.
Para o ator Sergio Mastropasqua, a peça é extremamente atual quando se reflete sobre a arte, pois ela incomoda quem está querendo diminuir a diversidade de vozes. “Essa dramaturgia fala da queima de quadros pelos nazistas, o Brasil tem censurado livros; não são universos tão distantes. Em uma circunstância de exceção, uma pessoa se dá ao direito de dizer o que deve existir ou não. A montagem lida com obras de arte, contudo esse mesmo raciocínio foi aplicado a pessoas, o que é uma verdadeira tragédia”.
Clara Carvalho enfatiza que o espetáculo é um painel político do período da 2ª Guerra, mas apesar da distância temporal, imagens do nosso tempo como as balsas afundadas dos refugiados no Mediterrâneo são como novas Guernicas. Uma das características mais marcantes de sua atuação, é a dubiedade de sua personagem.
A peça se passa em um porão inóspito que funciona como um depósito para obras de arte e local de tortura pela Gestapo. Já o figurino retrata a época em que viveram os personagens. Essa é a primeira vez que um texto de Jeffrey Hatcher ganha uma produção brasileira. O dramaturgo nasceu em Ohio e tem 64 anos, seus trabalhos constantemente são montados pelos Estados Unidos como Compleat Female Stage Beauty, Three Viewings, Scotland Road, Sockdology and Tesadas With Morrie. Um Picasso já teve montagens em Portugal, República Tcheca, entre outros países.
Tolentino ressalta a importância de Picasso e das reflexões proporcionadas pelo teatro e cultura em geral. “A peça é crivada na atualidade, apesar de passada no período da guerra e ser uma oficial da Gestapo interrogando um artista, um dos maiores da história da humanidade. A arte não pode nada contra as armas, mas sobrevive e nos faz repensar a história. É fundamental colocar a importância da arte em um momento que pensamentos autoritários tentam demonizá-la. O que a peça diz é que a arte vai sobreviver a tudo isso”.
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