Eu que fiz ele nascer
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Eu que fiz ele nascer

Por Fernando Jorge

Todos nós, em nossa existência terrena, podemos alcançar vitórias ou sofrer derrotas. Nunca, igual a este, um lugar-comum da filosofia barata se fixou tanto na minha memória, embora eu pense que algumas vitórias, no fundo, sejam apenas derrotas disfarçadas, cujas máscaras não tardam a cair.


John Keats, poeta lírico inglês, colocou a seguinte frase no prefácio do poema ­Endymion, publicado em 1818:


“Não há inferno tão terrível como fracassar num grande empreendimento." ("There is not a fiercer hell than the failure in a great object”)

Sempre me sinto no pior dos infernos e o homem mais frustrado do planeta Terra, quando vejo aos domingos o programa “Fantástico", pois fui eu que o criei. E apesar de ser o seu pai, o seu gerador, o meu nome até hoje não foi mencionado nesse programa. Narro agora esta história.


Certo dia, em 1973, há mais de trinta anos, eu disse ao meu amigo James Akel, que era empresário do ramo da hotelaria:


- James, está faltando na televisão brasileira um programa para ser apresentado todos os domingos, em horário nobre, à noite, e que deve ser como uma revista agradável, bem ilustrada. Esse programa mostra­ria fatos curiosos, números de mágica, de música, episódios interessantes da semana, reportagens sobre assuntos atuais, em evidência. Achei um bom título para ele: “Fantástico”.


Após dizer isto, propus ao James:


- Ofereça este programa ao Walter Clark, de quem você é amigo. Ele, como diretor geral da Rede Globo, é capaz de aceitar o pro­grama, se nós o montarmos.


James Akel, possuidor de bela inteligência, entusiasmou-se. Durante três meses, eu, Fernando Jorge, ele, James Alkel, e o publicitário Paulo Azevedo, também dono de admirável inteligência, montamos o programa “Fantástico”. O seu roteiro foi posto num papel timbrado da própria Rede Globo de Televisão, fornecido pelo Walter Clark.


Encerrado o nosso trabalho, James Akel se incumbiu de entregar o roteiro do “Fantástico” ao Clark, mas antes eu pedi:


- James, registre o programa na Biblioteca Nacional.

Ele respondeu:

- Não se preocupe, Fernando, nem preciso registrar, o Walter Clark é meu leal amigo.


O roteiro do “Fantástico”, programa criado por mim, com a ajuda do James e do Paulo Azevedo, foi entregue ao Clark, que o aceitou e o elogiou. E ele disse que ia entender-se com o Boni, isto é, com o José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, outro diretor da Globo, a fim de lançá-lo no ar.


Decorrido algum tempo, o Walter Clark, naquele ano de 1973, criticou em Brasília, no decorrer de uma festa, um general da Linha Dura, na frente desse militar. Aconteceu no Palácio da Alvorada e o Walter havia abusado do uísque. Consequência: o general exigiu do Roberto Marinho a expulsão do "atrevido" da sua rede.


Afastado o Walter da Rede Globo de Televisão, o Boni mandou pôr o "Fantástico” no ar. Eu, Fernando Jorge, o criador desse pro­grama, o empresário James Akel e o publicitário Paulo Azevedo, meus colaboradores, ficamos a ver navios. Não recebemos até hoje um centavo da Globo, e nem sequer um muito obrigado.


Confesso, extremamente magoado: esta é de fato a maior frustração da minha vida.


Fernando Jorge é jornalista, escritor, historiador, biógrafo, crítico literário, dicionarista e enciclopedista brasileiro, Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século.

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