Por Fernando Jorge
Há vinte anos fiz um sinal na rua Teodoro Sampaio, da capital paulista e entrei num táxi. Sentei-me ao lado do motorista, um homem forte, atarracado, de cabeça chata, com aspecto de nordestino. Tive a impressão de já o conhecer e perguntei se ele era nordestino. Respondeu:
– Nasci em Quixadá, no Ceará. Dotô, sou o Arranca-Carça e matei mais de trinta.
E me explicou que o conheciam pelo nome de Arranca-Calça pelo motivo de arrancar essa parte da roupa masculina. Perguntei como fazia isto. Disse que ia andando atrás da vítima e de repente aplicava-lhe um pontapé no seu traseiro, arrancando de modo rápido a sua calça. Envergonhando, de cueca, o “cabra da peste” se punha a correr, debaixo das gargalhadas dos pedestres...
Eu quis saber quantas vezes ele arrancou calças. Informou:
– Mais de quarenta vezes, dotô, mas só arranco carça de homi ruim.
– O senhor me disse que já matou.
– Sim, dotô, já matei mais de trinta ladrão. Matei porque não gosto de quem afana, tira dinheiro da gente. Só não consegui matá um prefeito ladrão porque, com medo de mim fugiu pra Salvadô, lá na Bahia.
– E o senhor arranca a calça mesmo de quem?
– Já disse, dotô, de cabra safado, da peste, que engana os outros. Se o dotô quisé mi dizê de quem o dotô qué que eu arranqui a carça, não vou cobrá nada do dotô.
Agradeci a gentileza do Arrança-Calça e pensei no seguinte, se ele pudesse arrancar as calças de todos os nossos políticos desonestos, corruptos, essas calças, emendadas uma na outra, teriam o comprimento da distância entre o nosso planeta e o planeta Jupiter...
Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.
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