Por Fernando Jorge
Eu encontrei há cerca de um mês, na rua Augusta, a minha amiga Inezita, que é grã-fina e detesta as coisas vulgares, o zé-povinho. Muito afetada, pernóstica, cheia de "não me toques", ela vive me dizendo:
-Ai, Fernando, como a plebe cheira mal!
Apesar dos meus protestos, Inezita, a grã-fina de olhos langorosos e boca mole como a de uma perereca, continua a afirmar que não sou da plebe e sim da elite, há um mês, portanto, ao vê-la na rua Augusta, eu percebi uma coisa. Inezita estava mais magra. Resolvi fazer-lhe a seguinte pergunta:
- Você, para emagrecer, está submetendo-se a um regime?
Ela respondeu:
- Estou ingerindo as ervas do Donald Douglas-Torry, meu queridérrimo. É sen-sa-cio-nal! Sen-sa-cio-nal! São ervas que eliminam os resíduos tóxicos e expulsam o lixo orgânico deixado pelos alimentos. É sen-sa-cio-nal! Agora vou quatro vezes ao banheiro, todos os dias, para me libertar desse lixo!
Cidadão experiente, com um bom conhecimento dos homens e da vida, eu objetei:
-Tome cuidado, Inezita, tome cuidado! Você talvez esteja engolindo plantas que são apenas laxantes. A cascara sagrada, por exemplo, cujo nome científico é Rhamnus Purshiana, é um tremendo purgativo, pode causar diarreias homéricas.
Mas a Inezita transbordava de felicidade e não me deu ouvidos, a menor atenção. Havia emagrecido sete quilos em uma semana, com as tais ervas do Douglas - Torry, e isto era o suficiente.
Oito dias depois, eu a vi de novo, e o seu aspecto me impressionou, pois se achava ainda mais magra, e pálida, com umas olheiras fundas:
-O que aconteceu, Inezita, você está gripada?
Ela abriu a boca mole, à maneira de quem exibe uma flor murcha;
-Sinto-me animadérrima! Adoro as ervas do Donald, porque já perdi dezoito quilos e consegui abaixar o meu colesterol!
-Mas você ficou muito magra, Inezita!
A minha amiga grã-fina miou, como uma gata faminta e esquelética:
- Adoro! Adoro milhões e milhões de vezes as ervas do DonaId! E agora, por causa dele, estou indo oito vezes ao banheiro, todos os dias, para me libertar do lixo orgânico! A-do-ro, a-a-a-a-do-do-do-ro-ro-ro-ro...
Este último “adoro” saiu bem fraquinho, e a Inezita lá se foi, com as pernas meio bambas. Tive a impressão de haver conversado com a múmia da rainha Nefertite, do Egito, esposa de Amenófis IV.
Dez dias depois eu estava andando por uma rua do Morumbi, o bairro mais rico e nobre de São Paulo, quando escutei, atrás de mim, a vozinha de Inezita:
- Fernando, já emagreci dezenas e dezenas de quilos, graças às ervas do Donald! Agora, meu queridérrimo, por causa dele, estou indo dezesseis vezes ao banheiro, todos os dias, para eliminar minha celulite! A-do-ro, a-a-a-a-do-do-do-ro-ro-ro-ro...
Quase que eu não ouvi este comprido "'adoro”, pois soou muito fraquinho.
Então me voltei, para olhar a Inezita, e vi que ela não tinha mais corpo, só possuía aquela voz débil, quase inaudível.
Inezita, a minha amiga grã-fina de olhos langorosos e boca mole como a de uma perereca, havia se transformado num fantasma! Sumiu, evaporou-se, ficou invisível... Passou do estado sólido para o gasoso.
Fernando Jorge é jornalista, escritor, historiador, biógrafo, crítico literário, dicionarista e enciclopedista brasileiro, Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século.
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