Por Fernando Jorge
Recebi uma carta da professora Maria Leticia Chandler, na qual ela solicita:
“Descreva de maneira bem minuciosa, numa de suas crônicas, o seu encontro com a mulher que aconselhou o senhor a votar no Silvio Santos, quando o nome dele apareceu, durante pouco tempo, como o de um candidato a presidência da República”.
Prezada leitora, já contei isto, mas agora vou evocar o fato minuciosamente, a fim de satisfazer a sua curiosidade.
O encontro ocorreu na Livraria Teixeira, situada no centro da capital paulista. Quem me apresentou a essa mulher foi Carlos Cardoso Filho, gerente da livraria. Era uma senhora de estatura baixa, meio gorda, de chinelos, e com um lenço azul amarrado na cabeça. Após o gerente informá-la sobre a minha profissão, a mulher quis saber:
– U sinhô vai vortar em quem?
Respondi, sorrindo:
– Ainda não sei, minha senhora...
Ela me aconselhou:
– Vorte nu Sirvio Santo.
Olhei o seu olhar firme e disse:
– A senhora acha mesmo que devo votar no Silvio Santos?
Resposta tão rápida como uma faísca:
– Sim, sim, vorte no Sirvio Santo, u sinhô é jiurnalista, u nomi deli é Sirvio Santo, purqui eli é santo, i é um só, ele é Sirvio Santo, o sinhô intendeu?
O meu amigo, Carlos, gerente da livraria, punha a mão na boca, para não rir, gargalhar. Indaguei a essa mulher simples, boa, ignorante e ingênua:
– Mas ele é santo mesmo?
Explicou, com pena da minha ignorância:
– U sinhô nem pareci jiurnalista, eli é santo purque si chama Sirvio Santo, é muito bom e sorta aviãozinho de dinheiru pra geni. Vô agora convencê o sinhô a vortar neli. Adivinhi u quê eli fez, adivinhi...
– O que foi que ele fez?
– Num sabi? Eli ponhô a mão deli nu meu ombru, juru, ponhô a mão deli nu meu ombru, e eu xorei, purquê sô paixonada pur eli. E sabi de otra coisa, sabi?
– Não, não sei.
– Depois qui eli ficá presidenti vai sortá aviãozinho de dinheiru, sem parar, lá du arto do morru do cocô lavado, lá nu Riu di Janeiru.
– Lá do alto do Corcovado?
– Naum, naum, lá du altu do coco lavadu, purquê lá se vende coco lavadu!
Assim foi, amigo leitor, a minha conversa com essa senhora tão culta. Como eu me senti ignorante, perto dela!
Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.
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