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Carta para um idiota que me chamou de idiota

Por Fernando Jorge

Imagem: Anne Nygard / Unsplash

Um redator-chefe de um desses jornais chamados da “grande imprensa”, chamou-me de idiota por eu ter recusado a ser colunista do seu jornal, mas com a condição de não ser colunista de nenhum outro. Recusei e ele disse: o senhor está agindo como um idiota, porque iria ganhar, todos os meses, uma ótima quantia, nesta época em que o dinheiro se tornou mais difícil.


Enviei então a seguinte carta ao meu xingador:


“Eu estava sentado na minha sala e o telefone tocou. Atendi, era você, prezado idiota, que eu ainda não sabia ser um respeitável idiota. Todos os idiotas, no meu entender, merecem respeito, pois são a prova viva da existência da idiotice. Esta é absolutamente necessária, pelo fato de aumentar o valor da inteligência. Nunca, imploro, falem mal dos idiotas. Afinal de contas o idiota não tem culpa de ser idiota, como o piolho de ser piolho, o cupim de ser cupim, a barata de ser barata, o vira-bosta de ser um pássaro que gosta de bosta.

Mas prezado idiota, vamos ver agora por que você me chamou de idiota. Aliás, faço sempre questão de chamá-lo de prezado. É que prezo, amo, respeito a sua idiotice. Se você não fosse idiota, como eu poderia mostrar o contraste entre a sua idiotice e aminha lucidez, a minha capacidade de raciocinar, deduzir, estabelecer conclusões e julgamentos?


Prezadíssimo idiota, você me convidou para ser colunista do seu jornal, porém como uma condição, a de ser colunista exclusivo. Recusei a oferta. Aí, prezado idiota, você citou a alta quantia que eu receberia, se aceitasse. Recusei de novo. Então o meu prezado idiota declarou, nervoso, o senhor está agindo como um idiota. Respondi, não, quem está procedendo como idiota é o senhor, prezado idiota, devido ao seu raciocínio idiota de que devemos aceitar tudo, a ofensa, a desonra, a traição, a humilhação, se nos oferecem dinheiro. Acima do dinheiro, prezado idiota, coloco a ética, o caráter, a honra, a fidelidade aos princípios morais, expressos nos dez mandamentos da Lei de Deus, registrados na Bíblia, o mais belo e eloquente livro do mundo.


Mal acabei de dizer isto, prezado idiota, o senhor desligou o telefone. Por que agiu assim? Eu sei, porque é um sincero, um grande e verdadeiro idiota...”

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Agradeço os elogios ao meu romance Eu amo os dois lançado pela editora Novo Século, enviados pelas gentis leitoras Luiza Palmade, Verônica Amadeus, Larissa Ferraz, Silvia Alexandra, Roberta Bartollo, Leda Clementino, Elsa de Mello Gonçalves e Nair Semele Amorim.



Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.

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