Por Heródoto Barbeiro
Há uma verdadeira batalha para conseguir um lugar. A quantidade de amigos para entrar no avião presidencial é maior do que a capacidade da aeronave. O presidente não quer perder a festa em Paris, mostrar à Europa a pujança do Brasil, e contentar os amigos políticos. Pelo menos 150 pessoas vão presenciar a festa do 14 de julho, em plena Avenida Champs-Élysées, na cidade Luz. Tudo vai correr na mais perfeita ordem e para isso há um grupo de 62 batedores da comitiva que já estão na França para perscrutar e organizar tudo para a entourage presidencial. Não pode haver erro. A mídia brasileira acompanha passo a passo a viagem, e quiçá a própria mídia francesa. Uma gafe, uma frase mal colocada, um atraso pode ser fatal para a imagem do chefe do Executivo. A viagem é capitalizada pela assessoria de imprensa presidencial como uma oportunidade de melhorar a imagem do presidente junto à população brasileira.
Todo mundo sabe que o custo de vida em Paris é caro. A comitiva vai ser alojada em hotel de grande luxo, apreciar a comida local em restaurantes do Guia Michelin. Só faz uma exceção – os vinhos têm que ser nacionais. Uma forma de reverenciar os líderes da Revolução, muitos dos quais perderam a cabeça literalmente. Foram decapitados na máquina do doutor Guillotin, a guilhotina. A viagem presidencial é referendada pelos políticos da base do governo no Congresso e criticada pela oposição. Uma verdadeira batalha de versões pulula na Câmara dos Deputados e no Senado. Os grupos representados no voo presidencial enaltecem os convidados e rebatem as críticas dos opositores como uma dor de cotovelo por não terem uma poltrona nesse voo. Afinal, o avião comporta 226 passageiros, mas só 150 embarcam. O espaço maior é reservado para a família presidencial e a secretária particular da presidência que deve seguir viagem de Paris para Londres.
Mais uma vez o “complexo de vira-lata”, diria Nelson Rodrigues. O que é gastar um milhão de dólares em uma viagem que dará um retorno sem igual para o Brasil? José Sarney, presidente brasileiro, é visto ao lado de autoridades francesas e internacionais, em recepções requintadíssimas nos prédios históricos da cidade. A mídia malvada apelida o episódio de “Aviãozinho da Alegria”. O que importa é ser recebido pelo presidente da França no Palais de l ́Élysée, com roupa de gala para uma recepção com pouquíssimos convidados. A viagem tem tudo para se tornar um marco na história da República brasileira. O eleito só se sente mesmo presidente quando faz viagens no avião presidencial, um deles conhecido na época do presidente Fernando Henrique Cardoso como “sucatão”. Esse negócio de viajar em aviões de carreira, mesmo na primeira classe, é coisa para reis, rainhas e ministros da Europa. Os latino-americanos se inspiram no poderoso Air Force One, que carrega o presidente dos Estados Unidos. E quem está abaixo do Rio Grande não pode deixar por menos, e ainda leva vantagens na comitiva que lota o avião e “diminui” o custo/passageiro/hora voada. Só mesmo a genialidade tupiniquim para esclarecer aos pagadores de impostos e aos que dependem das migalhas dos programas sociais.
Heródoto Barbeiro é jornalista do R7, Record News e da Nova Brasil FM. Também é professor, Mestre em História pela USP e advogado pela FMU. Já passou pela TV Cultura, pela CBN e pela Globo. Você pode ver mais em www.herodoto.com.br
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