Por Fernando Jorge

Eu estava noivo da minha futura esposa, quando disse a ela:
– Já estou em condições, como funcionário público, de comprar uma casa, com o auxílio do IPESP (Instituto de Previdência do Estado de São Paulo).
Ela me deu o endereço de um corretor da área de Santo Amaro e eu me encontrei com ele. O corretor me disse:
– Posso levá-lo amanhã para ver uma casa térrea muito boa e barata, que precisa apenas de pintura e pouca reforma.
No dia seguinte, às dez horas da manhã, fui com ele ver a casa. Media mais de dez metros de frente e tinha larga varanda. Eu estava alegre, feliz, quase assobiando, com essa euforia, essa boa disposição e bom humor que são características da juventude, da idade na qual tudo nos sorri e ainda não conhecemos a melancolia, a tristeza causadas pelas ilusões perdidas.
Mas, coisa estranha, à medida que fui andando pela casa, junto do corretor, uma tristeza enorme, crescente, apoderou-se de mim. Procurei disfarçá-la, escondê-la. Todavia, ao entrar no último quarto, o maior, o mais espaçoso, a minha tristeza se tornou imensa, senti vontade de chorar. Controlei-me com esforço, a fim de não deixar o corretor perceber isto.
Terminada a visita, saímos da casa. Eu disse a ele que lhe daria a resposta sobre a compra no dia seguinte. Depois, à noite, indo à presença da minha noiva, pronunciei estas palavras:
– Aconteceu comigo, hoje de manhã, uma coisa estranha. Eu estava alegre, otimista, antes de entrar na casa com o corretor, porém, à medida que fui percorrendo a casa, ao seu lado, apoderou-se de mim uma tristeza indescritível, e tão grande, tão forte, que no último quarto senti vontade de chorar muito.
Após contar o fato, acrescentei:
– Desconfio que nessa casa viveu uma alma bem sofredora e que ficava chorando no último quarto, sem parar.
No dia seguinte, contei ao corretor o que havia sentido e pedi a ele:
– Diga-me, naquela casa viveu uma pessoa bastante sofredora?
O corretor arregalou os olhos e quis saber:
– Alguém contou a você que lá viveu uma mulher que chorava o dia inteiro, por causa de uma tragédia que aconteceu na sua vida?
Respondi de modo firme:
– Ninguém me contou nada e embora católico, possuo forte mediunidade. Captei a tristeza, a angústia dessa pobre mulher. Agora passo a acreditar, as casas podem ficar com os sentimentos das almas dos que moram nelas...

Fernando Jorge é jornalista, escritor, dicionarista e enciclopedista brasileiro. Autor de várias obras biográficas e históricas que lhe renderam alguns prêmios como o Prêmio Jabuti de 1962. É autor do livro “Eu amo os dois”, lançado pela Editora Novo Século.
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